domingo, 8 de junho de 2008

Sobre a Aspereza do Asfalto

As sombras agora são artificiais. O sol já se foi.
É tarde. É noite.
Ele caminha pelas ruas úmidas da chuva que ainda insiste em cair, uma chuvinha miúda, daquelas que só servem para fazer as pessoas baixarem as cabeças.
"As pessoas baixam as cabeças com medo que algumas gotas sem importância venham a cair nos seus olhos e lhes façam perder, por alguns segundos, a visão e um pouco da lucidez"
Mesmo pensando assim, também ele olha para baixo.
Provavelmente, quem o olhasse pensaria que ele não gostava de chuva... mas esses ignoram que um dos melhores momentos das suas últimas semanas fora vivido sob ela.
Mas não era nisso que ele pensa nesse momento. Pensamentos? Os pensamentos lhe fluem com uma rapidez que faria qualquer maratonista roer-se de inveja.
Ele lembra-se da época em que a lucidez era sua eterna companheira. Em que lugar eles teriam se separado? A lucidez já não era mais sua amiga. Partira para outros lados, à procura de um novo rapaz a quem ocupar com seus pensamentos fúteis. "Mas o que seriam pensamentos fúteis?" Ele já não sabe mais responder suas próprias perguntas, como conseguia fazer antigamente. Não seriam os seus pensamentos mais fúteis que os de qualquer rapaz que estivesse, nesse sábado chuvoso, assistindo Zorra Total? Pelo menos o outro ainda conseguiria emitir um risinho forçado. Este não consegue nem isso, pelo menos não nesse momento.
Um de seus amigos encontra alguns conhecidos na rua. Pelo rumo que a conversa toma, parece que vai demorar. O rapaz se encosta em uma parede, deixa-se deslizar por ela até que acaba sentando-se em seus próprios pés. Pede um cigarro àquela sua amiga que acaba de se sentar ao seu lado.
Ambos se entendem. As palavras às vezes os atrapalham um pouco, mas os pensamentos, ah, esses estão sempre em concordância.
Ele acende o cigarro e traga.
Solta a fumaça lentamente, mais espessa que o habitual, pois essa se mistura com o bafo quente que sai de sua boca na noite fria.
A chuva ainda não desistiu. Ela quer um pouco de nossa sanidade e pede: "Olhem para o alto!"
Pobre rapaz. Sem perceber ele atende ao pedido da chuva. Apenas levanta um pouco o olhar para ver as gotas contra a luz do poste, mas uma gota (poxa, apenas uma!) lhe cai no seu olho direito. Ele fecha os olhos rapidamente. A pálpebra espalha a gota pelo olho, para um dia torná-la lágrima.
Teria passado um segundo?
Sim, foi mais que um segundo.
Ele abre os olhos, porém nota que algo está diferente.
Estão todos ali! Nada mudou de cor! Nada mudou de lugar! (Ok, um carro deslocou-se um pouco no quarteirão, mas isso não é relevante!)
Porém as aparências de normalidade já não o enganam mais! Algo mudou! Mas onde?
Então ele vê o asfalto...
Seus pensamentos são transportados para aquele amontoado de pedrinhas coladas com pixe. O asfalto! O asfalto é seu espelho!
Então ele balbucia para a sua amiga as seguintes palavras:
"Nós somos como o asfalto!"
Se ela entendeu o sentido de imediato, ele não sabe dizer, mas mesmo tendo quase certeza que sim, que ela o havia entendido, ele prefere continuar a explicar sua mais nova e brilhante teoria.
"Visto de longe, parece liso. Liso como as águas. Mas visto de perto, bem perto, notamos sua aspereza."
Seus pensamentos seguem o mesmo rumo de suas palavras.
"'De perto, ninguém é certo', já ouvira alguém dizer, certa vez. O asfalto de longe parece liso, talvez com algum ou outro buraco, assim como os defeitos que não conseguimos esconder, mas mesmo assim, liso! Porém se nos ajoelharmos no asfalto, sentiremos as pedrinhas cravando na nossa carne. Sentiremos que, como o asfalto, também podemos machucar, embora nosso objetivo não seja esse. Também desgastamos, como o asfalto! Também temos a necessidade de chegar a algum lugar, como o asfalto. Somos todos asfalto, alguns mais fáceis de transitar, outros nem tanto, mas todos asfalto, puro e simples, à espera das pessoas que necessitam de nós."
A moça do lado fala algo, e ele ressente-se por não tê-la escutado. Sempre gosta de ouvi-la. Dá uma nova tragada no cigarro.
A conversa de seu amigo havia terminado.
Levanta-se.
"O que mudou?", pergunta-se mais uma vez, enquanto se afasta, com a sombra refletindo no asfalto frio.

3 comentários:

Jornadas de uma Foca disse...

Eu juro que não faço idéia de quem se trata este texto!! =D

Congratz my dear, perfect, again!!

o//

Acervo Café Frio disse...

agora li até o fim...gostei...fiz-me presente nesta noite, um pouco menos pensativo....
abraçao mano

Anônimo disse...

acho que não conheço a menina que tem os pensamentos em concordância com os teus.
(hehe)

Sim, sim, muito intrigantes essas reflexões... Mas sabe, que de todo aquele clima, me restou apenas aquele poema e esse teu texto tão bom de se ler.
Pq eu compreendo, e acho que conheço a menina.
Felipão, vc me faz companhia nesses pensamentos tão...tão...sei lá!