quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Um Dedo de Prosa

Pra mim a morte do Dr. Almeida foi um infortúnio.
Na flor dos meus 85 anos não pensava em sair à cata de um novo urologista. Ora! Você tem que ter o mínimo de confiança em uma pessoa para deixá-la enfiar o dedo em seus lugares mais secretos, e eu não estava disposto a começar um novo relacionamento.
Mas Marta, a pobre da minha velha, queria que eu morresse de uma maneira mais digna que de câncer de próstata. Imagine só a prima Aurélia perguntando
-Mas de que morreu o nosso querido Jorge?
e minha mulher tendo que responder
-De câncer de próstata, coitado. O cu dele foi apodrecendo... apodrecendo...
Logo, minha velha deu um jeito de arrumar um novo urologista para mim. O acaso fez com que a neta da Dona Anita tivesse acabado de montar um consultório e precisasse de pacientes com urgência. Lá foi minha bondosa velha fazer o bem pro bolso da moçoila e pras minhas ceroulas, marcando a consulta sem me consultar. E se eu precisasse sair pra jogar com o Teixeira...? Bem, mas eu não tinha que sair pra jogar com o Teixeira, pro meu desânimo.
Sentado na pequena sala de espera do consultório decorada com exagero(na minha modesta opinião, claro!) Marta me sussurrou ao ouvido, enquanto apontava para uma flor pateticamente murcha num canto
-Fala com ela sobre aquele probleminha...
Enfim apareceu a médica na porta, com o rosto escondido atrás de uma folha de papel.
-Seu Jorge Castilho, por favor.
Me apoiei na bengala (pois ao menos essa era bem rígida) e com certa dificuldade me levantei e caminhei para sala de atendimento. Cheguei reclamando da demora, claro, aquela medicazinha tinha que perceber que estava tratando com um senhor de idade compromissado, que não tinha 8 minutos e 35 segundos para desperdiçar parado numa sala de espera, visto que cada minuto era valioso, na minha idade! Afinal eu pagava ela pra... Só então eu parei pra analisar a doutora. Deveria ter uns 25 anos, muito bem apessoada, ancas largas. seios de vaca leiteira. Me lembrava minha velha, quando a gente casou.
Ela pediu desculpas de maneira desatenta e largou a piadinha mais desconfortável possível para um homem que está prestes a ficar na posição em que Napoleão perdeu a guerra.
-Bem, vamos lá, Seu Jorge, e não se preocupe. Com uma médica mulher o senhor pode ter a confiança que é só o dedo que irá ser enfiado, não é!?
Qualquer um ficaria chocado, mas de certa forma aquele ar descontraído que se implantou na sala me relaxou. Relaxou tanto que eu desvesti a roupa rindo (interiormente, claro, pois não muito sou de mostrar os dentes), enquanto ela colocava as luvas.
Fiquei naquela posição desconfortável, que por algum motivo me lembrava minha infância no sítio do meu tio, e senti aquele dedo fino entrando lentamente, tímido, como se pedisse desculpas por adentrar em lugar tão privado. Não doeu, esse foi o fato. Talvez pelo fato de que perto do dedo do falecido Dr. Almeida, o dedo da doutora gostosinha foi como uma merdinha que com medo do mundo resolvesse retornar para o aconchego, dentro de mim.
Foi rápido até demais. Tanto que me deu vontade de pedir pra ela verificar meu eu-interior novamente, uma segunda opinião, talvez.
Porém o que aconteceu naquele momento me surpreendeu. Tinha até esquecido como era aquilo! Minha velha serpente dava tímidos sinais de vida. Agora não tão tímidos. Viva! Minha serpente está viva, estampem na capa dos jornais!
Vesti as calças rapidamente, como se a médica que acabou de me estuprar com meu consentimento fosse ficar extremamente chocada ao ver meu modesto instrumento de guerra.
Ela tirou as luvas (meu deus, como ela ousa usar as mãos para comer, depois de uma consulta!?) e foi logo dizendo que eu era mais saudável que ela, e que ela ainda ia me atender por muitos e muitos anos, se isso dependesse só da minha próstata. Depois que eu depositei meu maço de cigarros na mesa dela, enquanto procurava a carteira, ela começou um longo discurso sobre eu largar o fumo. Passamos pelo velho protocolo, paguei-a e saí de lá mais rápido do que entrei.
Marta me esperava ainda na sala de consultas. A médica que me acompanhou lhe disse
-Dona Marta, a senhora vai ter que aguentar esse velho ranzinza por muito tempo, ainda.
Minha velha sorriu, me deu o braço e esperou nos afastarmos uma uma meia quadra do consultório para perguntar
-Falou pra ela sobre o nosso probleminha? Ela receitou algum comprimidinho!?
-Não, Marta. Nada de comprimidos! Hoje vamos tentar algo novo.
sussurrei.


Texto escrito para acompanhar a onda de posts sujos nos blogs.

domingo, 9 de novembro de 2008

Sobre Religião e a Falta dela

Hoje fui à tradicional Romaria de Nossa Senhora Medianeira e voltei triste, só não sei dizer se com o mundo ou comigo.
Vou começar a minha divagação pelo princípio. Minha família é daquelas que é um tanto religiosa, tem devoção "à Santinha" e nos anos que pode, vem para a procissão. Logo, desde cedo fui arrastado pelos meus paispara o meio da multidão devota. Era apenas mais um inocente que não tem noção do que está fazendo no meio daquela bagunça.
Fui crescendo, porém, e comecei a ter um olhar um tanto mais crítico sobre a situação, a acompanhar minha família cada vez mais contrariado, até que chegou hoje, momento em que o que vi me preocupou tanto que eu tive que vir aqui desabafar.
Minha fé se desvaneceu com o tempo, hoje me declaro agnóstico (para horror dos meus pais e da minha avó), mas já fui, sim, muito religioso. Quando tinha lá meus doze anos pensei até em ser padre, talvez motivado pelos livros que lia, de José de Alencar ou de Aluísio de Azevedo, em que os padres eram pessoas influentes, cultas e, algumas vezes, até os vilões das histórias (desde cedo tive uma queda pelos personagens maus).Mas minha vocação pra religião foi se extinguindo, até sumir quase que completamente, então quando fui intimado a acompanhar a família em mais um martírio coletivo, bati pé e disse que não ia, principalmente porque hoje fez 33 graus em Santa Maria, e consigo pensar em várias maneiras mais divertidas e/ou produtivas de se conseguir um câncer de pele. Mas nessa vez, em especial, tínhamos uma companhia, minha tia idosa com quem morei por três anos, logo, mais uma vez não tive como escapar.
O que vi lá me deixou nesse estado nostálgico em que me encontro agora.
Filas, filas e mais filas, não desmentindo o que o padre chamou o tempo todo de "rebanho". A maior delas para passar alguns segundos em frente à imagem da Santa, oxalá tocá-la, se a altura do fiel permitir... olhares suplicantes, lágrimas, mimos para a imagem! Seria bem emocionante, não fosse o fato do segurança particular da santa empurrar senhoras idosas, embora com palavras simpáticas ("Vamos mais rápido, vovó!?") que passem mais de cinco segundos admirando-a. Ora, minhas caras matronas, a Santa tem lá seus compromissos no Altíssimo, não se esqueçam!
Tudo isso com o padre falando de pecadores, anjos caídos e castigo, ao fundo, intercalando os discursos caóticos com musiquinhas simpáticas para a multidão não se assustar tanto. De repente uma música em latim, que vi todos (os que tinham o panfletinho) cantarem como se cantassem uma musiquinha de ninar qualquer, como se entendessem cada som que saíssem de suas bocas.
O padre pára os discursos amedrontadores por alguns instantes para apresentar seus pupilos, os seminaristas do coro. Estranho olhar para aqueles caras de olhar tímido, tão alheios do mundo, preferindo uma vida de celibato (pelo menos oficialmente), para se entregar à adoração de Deus. Que decepção eles teriam (agora vou falar algo totalmente ilógico:) se depois de morrerem percebessem que não existe uma outra vida, muito menos eterna.
Então chega ao ápice da primeira missa. O padre levanta uma hóstia gigante, para que todos da Basílica vejam, levanta também um cálice dourado e fala sobre o corpo e o sangue de Cristo. Sempre tive medo desse canibalismo metafórico que é a hóstia. Desde criança nunca entendi o porquê de para se estar com Cristo, ter que comê-lo!
Depois da missa na Basílica a missa campal, tão esperada. Milhares de pessoas lutando por um espaço na sombra para escutar padres falando, falando e falando sem parar. Aliás... escutar era para privilegiados, pois o som só alcançava até metade da multidão, já que as caixas do fundo apresentaram defeitos, para variar.
Não sei ao certo o que senti por aquelas pessoas. Uma multidão suada, com cara de cansada, carregando pulseirinhas compradas no "três por um real" de moleques que não pareciam ter fé, ou por mulheres com pencas de filhos, nos quais batiam por qualquer motivo, talvez nem percebendo que com isso afastavam a "freguesia", que obviamente prefere comprar o que quer que seja de deficientes físicos do que de uma mulher que bate nos filhos!
A miscigenação no Brasil é linda! Pessoas de todas as cores, tamanhos, formatos e texturas juntas numa única reza (A maioria, claro, pois obviamente eu não era o único que estava alheio à comoção causada pela fé!)
E o banheiro! Deplorável! Imundo, fedorento, desrespeitoso até às narinas mais insensíveis, totalmente o oposto da pureza de corpo e de espírito pregado pelo padre. Ah! Padre esse que no meio do discurso fervorosíssimo (e louvável, admito!) sobre doação de órgãos disse que "ao você doar os órgãos de seus entes queridos salva no mínimo oito vidas!" Fiquei realmente chocado, pois ou o padre falou uma grande besteira, ou eu que estou desatualizado nas maravilhas da medicina e agora já se é possível doar as toncilas, a bile, a língua, os órgãos reprodutivos e sabe-se lá mais o quê!
Ai, me prendi a pequenas coisas da procissão e não falei, enfim, o que me fez mais triste. A crença! As pessoas de lá acreditavam no que estavam fazendo, mas eu... eu não acreditava nem em mim!
Será que eu deveria aprender com essa multidão sofrida e esperançosa de uma salvação celestial para seus problemas mundanos? Talvez isso torne as coisas mais fáceis... Mas de onde me vem essa descrença em todas essas práticas que me parecem tão arcaicas?
Fiquei triste, de verdade. Só não sei se com eles, ou comigo


Foto by: Panka