quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

1996


"Eu a vi nua pela primeira vez em 1996.
Tínhamos acabado de nos conhecer, e na época ela ainda não trabalhava na boate. Era apenas uma garota de beleza vulgar, sem grandes atrativos sexuais. Uma garota, entendam. Tinha o quê? Dezesseis ou dezessete anos? É... por aí. Mas ela cresceu. Agora, mais de doze anos depois, ela estava diferente. Transformara-se num mulherão, de beleza singular, embora ela, em si, continuasse vulgar.
Quando eu a conheci, ela estava começando na carreira. Cobrara pouco para ir pra cama comigo na primeira vez, pois não sabia o preço que ela valia no mercado. Na segunda vez já não cobrara nada. Dizia não trabalhar para nenhum cafetão, pois jamais sustentaria um homem. Vivia consigo e seu orgulho, muito mais saliente que suas curvas, na época. Apenas depois que acabamos o nosso caso é que ela foi para a boate. Não durou muito lá, pois em pouco tempo descobriram seu "talento". Fora trabalhar como acompanhante de velhos babões e ricos. Sorte a dela, que não viveu muito tempo nas ruas. Tamanha a sorte que nunca contraíra nenhuma dessas doenças tão comuns a mulheres da vida.
Doze anos depois...
A reencontro mais bela, mais altiva, mais orgulhosa.
De repente ela não se parece mais com a menina que eu deflorei."

"Eu vi um homem nu pela primeira vez em 1996.
Eu era apenas a menina de cabelo cacheado e fisicamente imatura, para minha idade. E agora eu reencontro esse homem novamente. De repente eu me pergunto se eu o esqueci. Claro que não. Por pior que seja, uma mulher nunca esquece sua primeira vez. Ainda mais se cobrou por ela. Hoje vejo como fui tola, poderia ter vendido minha virgindade para um velho rico, que com certeza pagaria bem mais que ele me pagara. Mas por minha inexperiência me deixei, naquela primeira e segunda vez (a segunda bem melhor que a primeira), envolver. Ora essa. Qualquer mulher sabe que sexo e sentimentos não combinam na vida real.
Agora essa sombra do meu passado está ali, parado, com um copo de whisky importado na mão. Por que isso de certa forma me incomoda? Talvez por encontrá-lo nesse ambiente que de forma nenhuma combina com as lembranças que guardei dele, bebendo nas ruas sujas dos subúrbios. Ele subiu na vida, conseguiu vencer através do que compunha. Eu venci através do que me punham.
Estranho. No meio de tanta gente só ele realmente me conhece. Essas senhoras da sociedade ficariam chocadas se soubessem que a "sobrinha" do Dr. Lafayette na verdade é uma prostituta de luxo, e que transa com o "tio" em troca dessas pulseiras que está usando. Mas aquele homem, lá no canto, sendo bajulado por essas mesmas senhoras, me conhece."

"Foi em 1996 que escrevi aquela que é considerada minha melhor composição."

"Ele é o único que me conhece.
Quem será que eu sou realmente? A refinada e intelectual mulher que se auto-intitula independente, que é capaz de comentar clássicos da música e da literatura com destreza, e que só segue nessa vida pelo eterno medo da total solidão... ou aquela putinha pobre, de mais de doze anos atrás, que aquele homem ali conheceu, assustada, orgulhosa, e com o mesmo eterno medo da solidão? Não sei. Será que ele sabe?
De repente tudo que eu queria era estar com ele de novo, pra ter alguma certeza"


"Eu sabia. Reconheci aquele velho olhar que há doze anos atrás me fisgara numa rua qualquer.
Ela quer me levar para a cama de novo, tenho certeza! Traz um velho pelo braço, que certamente a está pagando, e o faz conversar comigo, admirar a minha obra, embora esteja a olhos vistos que das minhas músicas ele não conhece quase nada. De repente outro velho aparece. Parece que eles se multiplicam neste lugar. Os dois somem. Ficamos eu e ela, sós. Ela puxa assunto, fala sobre trivialidades. Reparo que a mudança não foi apenas física, não. Ela está refinada, mais que eu, admito. Mas naquele olhar castanho e profundo eu reconheço-a como era. Ela me quer novamente. Mas de alguma forma ela mudou. Me sinto humilhado perto dela, como se o fato de termos transado algumas vezes tivesse dado a ela o poder sobre algum segredo meu. De certa forma ela evoluiu mais que eu. Ela não tem minha fama, embora talvez tenha tanto dinheiro quanto eu, mas ela tem algo que... me ofende"

"Eu preciso saber..."

"Nem faz meia hora que nos vimos naquele salão e já estamos transando. Ela me olha diretamente no rosto, me desconcerta. É isso que ela tem. Me lembro agora, com perfeição. Há doze anos atrás eu era igual. Ela mudou, eu não. Continuo sendo tão ruim na cama quanto antes, desajeitado, grosseiro. Ver o corpo dela assim, deitado sobre esses lençóis finos me joga de volta ao meu lugar de verdade, uma rua suja qualquer. É como se o corpo dela gritasse que eu não pertenço a esse lugar, que a fama não me fez melhor. Eu continuo péssimo na cama. Por que então eu só penso nisso quando estou com ela? Lembro de que há doze anos atrás foi a mesma coisa. Com as outras mulheres não! Com as outras eu não me importava, mas Deus, como eu não vou me importar se estou sendo um bom amante para uma mulher com olhos desses? Ela me humilha! Seu corpo perfeito me humilha. Suas pequenas e tímidas rugas que emolduram seus olhos me humilham! Tudo nela é perfeito. Eu sou todo imperfeição. Porra! Eu não quero sofrer sozinho!"

"Ahhh! O que ele está fazendo? Está sendo bruto, violento! De repente, depois de um olhar ele mudou de comportamento. Finco as unhas no travesseiro com toda força. Mentira! Agora percebi que estou cravando as unhas nele mesmo e ele está sangrando. Como vou pedir pra camareira trocar o lençol antes que o Lafayette suba? Olha só no que estou pensando. Manias que adquiri com a profissão, me distrair enquanto transo. Ah! Ele tem que parar! Agora me lembro, na minha primeira vez ele agira exatamente assim. Por que me submeti a passar por tudo isso de novo? Vontade de me sentir humilhada? Pronto. Agora estou humilhada o suficiente. O que eu queria, afinal? Carinho? Amor? Foda-se o carinho e o amor. Já desisti disso há tanto tempo... Na verdade eu sei muito bem o que eu queria: queria alguém que não estivesse me pagando para dormir comigo. Ele não está pagando, mas está agindo como se estivesse. Ele acabou. Acho que sim, ah, alívio. O que ele vai dizer?"

"Essa mulher me humilha. Me expõe. Vou sair daqui, não quero mais vê-la."


"Foi-se e não disse nada. Pronto... Já tenho minhas respostas..."

domingo, 4 de janeiro de 2009

Táxi!

Tudo tem um começo, um meio, um fim... mas o começo é sempre o mais difícil.
O fim geralmente é claro. Pronto acabou. Aquilo ali parecia o fim, embora ele não soubesse direito o que fosse.
Quando deu por si não reconheceu as paredes verdes daquele quarto, pintadas com tinta desbotada pelo tempo, com o quadro de um Cristo reprovador o olhando. Reconhecia tampouco a menina que cobria o corpo nu com um lençol colorido enquanto chorava. Muito menos sabia quem era aquele homem bigodudo e gordo, com o rosto inchado e cheio de veias saltadas pela testa e pelo pescoço, que gritava sem parar, balançando uma arma na mão.
Bem. Aquilo parecia o final, definitivamente.
Ele teve certeza disso quando fechou os olhos e escutou o tiro.


Como já foi dito, tudo tem um começo, que é o mais difícil.
Talvez tudo tenha empezado quando brigou com seus pais. Não, talvez tenha começado quando brigara com a namorada, o que o deixara irritado e o fizera brigar com seus pais. Não! Ele brigara com os pais por ter largado a faculdade, e por estar irritado por ter brigado com a namorada. Ou então o início era quando brigara com um professor, e por isso resolvera largar a faculdade, teria ficado irritadiço, brigara com a namorada, o que o deixara furioso e o fizera brigar com os pais.
Bem, ou talvez as coisas não tenham um início exato. Pode ter começando quando Deus disse "faça-se a luz", não para o Universo, pois disso pouco se sabe, mas para o ventre de sua mãe, mesmo.
Simplifiquemos. Vamos admitir como sendo verdade que o princípio foi quando ele resolveu beber para esquecer os seus problemas, que não eram poucos.
Bebeu demais, e de tudo um muito. Martini, vodca, tequila, cerveja..
Quando saiu do bar, com a quase certeza de que fora logrado no troco, tinha dificuldade em caminhar em linha reta. Teve certa consciência de seu estado, já estivera alcoolizado assim antes, porém sempre acompanhado. Hoje estava só.
Não tinha como ir pra casa de carro, pois não tinha um, e não tinha condições de ir à pé, já que não sabia direito pra que lado ficava sua casa.
Começou a acenar, então, para os carros que passavam. A rua era movimentada e com certeza não demoraria muito para que um daqueles fosse um táxi. Não tardou e um carro parou. A porta se abriu e o homem da frente, gordo e barbudo, perguntou um "Para onde?" meio rouco.
O bêbado não sabia exatamente. Teve que para uns segundos e raciocinar, até lembrar-se de um endereço que lhe soasse familiar. Quem sabem fosse até o endereço de sua casa!?
Dormiu.
Quando acordou o táxi já havia parado na frente de seu prédio. O rapaz entregou a carteira para o motorista, já que não tinha discernimento suficiente para procurar ele mesmo o pagamento. Talvez se tivesse sorte o homem não pegaria muito dinheiro além do que lhe era devido.
O Taxista, achando graça da situação, abriu a carteira de couro fino, deu uma olhada na foto de um dos documentos do rapaz e procurou o dinheiro. A corrida dera bem mais que os R$ 18,50 que o jovem tinha, mas o Taxista resolvera não reclamar, primeiro porque aquele fora um dia bem lucrativo, se comparado com os demais, segundo porque não iria adiantar muito reclamar com o bêbado, já que máximo que ele poderia fazer é dizer que iria entrar em casa e trazer mais dinheiro e acabar dormindo ao pôr o pé na sala.
O jovem pegou sua carteira de volta e saiu do carro, batendo a porta com força. Começou a subir as escadas do prédio, segurando-se no corrimão e olhando sempre pra cima, como que para provar para seu reflexo no vidro da porta de entrada que não estava bêbado. Quando parou no patamar, soltou-se e começou a tatear os bolsos, em busca da chave. Nada nos bolsos da calça, nada nos bolsos do casaco.
O Taxista continuara parado, olhando aquela cena meio triste, meio engraçada. Viu o rapaz procurar as chaves, apertar o botão do interfone várias vezes, sem sucesso, e com raiva, dar um soco na parede. Quando sentou-se nos degraus e encostou a cabeça na parede, o Taxista resolveu ajudá-lo.
Saltou do carro, cutucou o rapaz e disse
-Vamos, eu vou dar um jeito.
Nem o próprio homem sabia exatamento o que o levara àquele ato de compaixão. Decerto fora alguma coisa que O Padre dissera na última missa que lhe assomara ao inconsciênte. Ajudar o Próximo, isso!
Dirigiu para casa, com o rapaz dormindo e babando no banco de trás.
Sua esposa já estava no deitada quando entrou na casa simples de subúrbio, carregando o outro nos braços. Acomodou-o no sofá da sala e escreveu um bilhete para a esposa e os filhos, que não se assustassem e nem incomodassem o rapaz.
O Taxista, agora apenas Pai de Família, fora deitar-se. Sua esposa abriu os olhos quando ele entrou no quarto
-Desculpa, você tardou e eu acabei pegando no sono.
-Agora eu estou aqui, e você está acordada, é isso que importa
Dissera ele, já tirando as calças e as cuecas.
Na sala, o rapaz se mexera. Se mexera novamente e acabou por cair do sofá.
Acordou.
Olhou em volta. Não estava em sua casa, isso era certo, nem na de um amigo. Estava ainda tão bêbado quanto quando quase dormira nas escadas de seu prédio.
Cambaleando, levantou-se e procurou algum feixe de luz para guiá-lo. Havia apenas um, que saia de baixo de uma porta fechada, no fim de um corredor. Ele ouvia os gritinhos e gemidos de algum casal transando naquela direção.
Caminhou, segurando-se na parede. Porém de repente, a parede se abrira. Não, não era a parede. Era uma porta, que com o peso de sua mão acabara se escancarando. Viu um quarto, iluminado levemente por uma janela sem cortinas. Não era dali que vinham os gemidos, mas era como se fosse, pois deitada numa cama havia uma linda moça.
Nova demais, talvez, mas linda. Ou pelo menos era o que a bebida lhe dizia.
Não lembrava de ter ido à um puteiro. Na verdade só lembrava vagamente da primeira meia hora no bar. Decerto algum amigo o encontrara e o trouxera até ali. O fato ali estava ele: solteiro e com dinheiro (bem, pelo menos ele achava que tinha) num puteiro!
Iria aproveitar, claro.
Tirou a roupa e, já ereto, o que era difícil em seu estado alcoólico, subiu na cama. A moça movimentou-se e ele beijou-lhe o pescoço.
Os gemidos vindos do outro quarto aumentavam.
A menina acordou e olhou assustada o invasor de seu quarto e soltou um gritinho, ainda não tendo certeza do que estava acontecendo.
Quando ela o empurrou, ele ficou irritado. Detestava puta difícil! Ela começava a espernear, tentar chutar-lhe. Ele ainda tinha forças, embora lhe faltasse um pouco de coordenação. Arrancou os lençóis de cima dela e viu que ela estava quase nua, apenas de calcinha e claro que a moça não ia deixá-lo tirá-la, então ele resolveu que iria penetrá-la assim mesmo, com calcinha.
Meteu-lhe a mão entre as penas e afastou-a da entrada, e se atirou com força em cima dela.
Ela começava a gritar, mas tudo bem, os outros clientes não iriam se importar, já que vinham gritos do quarto do lado também. Mas mesmo assim os berros o desconcentravam, então ele preferiu fazê-la ficar mais quieta, e colocou o travesseiro no rosto dela.
Não iria sufocá-la, é claro, já que ela estava com o rosto virado para o lado, mas pelo menos abafaria os gritos. Ele detestava puta escandalosa!
O corpo embaixo dele se retorcia e ela cravava as unhas nas suas costas! Ah, ela gostava de sexo selvagem? Então era assim que teria.
Ele metia cada vez mais forte, mais rápido.
Qual seria o nome dela?
Mais rápido, mais rápido.
Então ela gritou com toda sua força. O travesseiro não foi o suficiente para abafar o desespero que se evadia pela sua garganta.
A porta se escancarou. Um homem gordo e bigodudo, vestido apenas com uma cueca, olhou a cena, com os olhos arregalados. Uma mulher com a mesma expressão estava atrás de si, gritando.
Merda de cafetão! Até o fizera broxar!
Então o homem voltou, com um revólver. Gritava coisas que os gritos da outra mulher e da própria menina, agora coberta com um lençol colorido, não permitiam entender.
Acendeu as luzes, iluminando o quarto verde e o rosto do Cristo, tão reprovador quanto aquele homem parado na sua frente.
Bem... Ele não sabia quando tudo aquilo começara, mas aquilo parecia o final, definitivamente.
Ele teve certeza disso quando fechou os olhos e escutou o tiro.