domingo, 4 de janeiro de 2009

Táxi!

Tudo tem um começo, um meio, um fim... mas o começo é sempre o mais difícil.
O fim geralmente é claro. Pronto acabou. Aquilo ali parecia o fim, embora ele não soubesse direito o que fosse.
Quando deu por si não reconheceu as paredes verdes daquele quarto, pintadas com tinta desbotada pelo tempo, com o quadro de um Cristo reprovador o olhando. Reconhecia tampouco a menina que cobria o corpo nu com um lençol colorido enquanto chorava. Muito menos sabia quem era aquele homem bigodudo e gordo, com o rosto inchado e cheio de veias saltadas pela testa e pelo pescoço, que gritava sem parar, balançando uma arma na mão.
Bem. Aquilo parecia o final, definitivamente.
Ele teve certeza disso quando fechou os olhos e escutou o tiro.


Como já foi dito, tudo tem um começo, que é o mais difícil.
Talvez tudo tenha empezado quando brigou com seus pais. Não, talvez tenha começado quando brigara com a namorada, o que o deixara irritado e o fizera brigar com seus pais. Não! Ele brigara com os pais por ter largado a faculdade, e por estar irritado por ter brigado com a namorada. Ou então o início era quando brigara com um professor, e por isso resolvera largar a faculdade, teria ficado irritadiço, brigara com a namorada, o que o deixara furioso e o fizera brigar com os pais.
Bem, ou talvez as coisas não tenham um início exato. Pode ter começando quando Deus disse "faça-se a luz", não para o Universo, pois disso pouco se sabe, mas para o ventre de sua mãe, mesmo.
Simplifiquemos. Vamos admitir como sendo verdade que o princípio foi quando ele resolveu beber para esquecer os seus problemas, que não eram poucos.
Bebeu demais, e de tudo um muito. Martini, vodca, tequila, cerveja..
Quando saiu do bar, com a quase certeza de que fora logrado no troco, tinha dificuldade em caminhar em linha reta. Teve certa consciência de seu estado, já estivera alcoolizado assim antes, porém sempre acompanhado. Hoje estava só.
Não tinha como ir pra casa de carro, pois não tinha um, e não tinha condições de ir à pé, já que não sabia direito pra que lado ficava sua casa.
Começou a acenar, então, para os carros que passavam. A rua era movimentada e com certeza não demoraria muito para que um daqueles fosse um táxi. Não tardou e um carro parou. A porta se abriu e o homem da frente, gordo e barbudo, perguntou um "Para onde?" meio rouco.
O bêbado não sabia exatamente. Teve que para uns segundos e raciocinar, até lembrar-se de um endereço que lhe soasse familiar. Quem sabem fosse até o endereço de sua casa!?
Dormiu.
Quando acordou o táxi já havia parado na frente de seu prédio. O rapaz entregou a carteira para o motorista, já que não tinha discernimento suficiente para procurar ele mesmo o pagamento. Talvez se tivesse sorte o homem não pegaria muito dinheiro além do que lhe era devido.
O Taxista, achando graça da situação, abriu a carteira de couro fino, deu uma olhada na foto de um dos documentos do rapaz e procurou o dinheiro. A corrida dera bem mais que os R$ 18,50 que o jovem tinha, mas o Taxista resolvera não reclamar, primeiro porque aquele fora um dia bem lucrativo, se comparado com os demais, segundo porque não iria adiantar muito reclamar com o bêbado, já que máximo que ele poderia fazer é dizer que iria entrar em casa e trazer mais dinheiro e acabar dormindo ao pôr o pé na sala.
O jovem pegou sua carteira de volta e saiu do carro, batendo a porta com força. Começou a subir as escadas do prédio, segurando-se no corrimão e olhando sempre pra cima, como que para provar para seu reflexo no vidro da porta de entrada que não estava bêbado. Quando parou no patamar, soltou-se e começou a tatear os bolsos, em busca da chave. Nada nos bolsos da calça, nada nos bolsos do casaco.
O Taxista continuara parado, olhando aquela cena meio triste, meio engraçada. Viu o rapaz procurar as chaves, apertar o botão do interfone várias vezes, sem sucesso, e com raiva, dar um soco na parede. Quando sentou-se nos degraus e encostou a cabeça na parede, o Taxista resolveu ajudá-lo.
Saltou do carro, cutucou o rapaz e disse
-Vamos, eu vou dar um jeito.
Nem o próprio homem sabia exatamento o que o levara àquele ato de compaixão. Decerto fora alguma coisa que O Padre dissera na última missa que lhe assomara ao inconsciênte. Ajudar o Próximo, isso!
Dirigiu para casa, com o rapaz dormindo e babando no banco de trás.
Sua esposa já estava no deitada quando entrou na casa simples de subúrbio, carregando o outro nos braços. Acomodou-o no sofá da sala e escreveu um bilhete para a esposa e os filhos, que não se assustassem e nem incomodassem o rapaz.
O Taxista, agora apenas Pai de Família, fora deitar-se. Sua esposa abriu os olhos quando ele entrou no quarto
-Desculpa, você tardou e eu acabei pegando no sono.
-Agora eu estou aqui, e você está acordada, é isso que importa
Dissera ele, já tirando as calças e as cuecas.
Na sala, o rapaz se mexera. Se mexera novamente e acabou por cair do sofá.
Acordou.
Olhou em volta. Não estava em sua casa, isso era certo, nem na de um amigo. Estava ainda tão bêbado quanto quando quase dormira nas escadas de seu prédio.
Cambaleando, levantou-se e procurou algum feixe de luz para guiá-lo. Havia apenas um, que saia de baixo de uma porta fechada, no fim de um corredor. Ele ouvia os gritinhos e gemidos de algum casal transando naquela direção.
Caminhou, segurando-se na parede. Porém de repente, a parede se abrira. Não, não era a parede. Era uma porta, que com o peso de sua mão acabara se escancarando. Viu um quarto, iluminado levemente por uma janela sem cortinas. Não era dali que vinham os gemidos, mas era como se fosse, pois deitada numa cama havia uma linda moça.
Nova demais, talvez, mas linda. Ou pelo menos era o que a bebida lhe dizia.
Não lembrava de ter ido à um puteiro. Na verdade só lembrava vagamente da primeira meia hora no bar. Decerto algum amigo o encontrara e o trouxera até ali. O fato ali estava ele: solteiro e com dinheiro (bem, pelo menos ele achava que tinha) num puteiro!
Iria aproveitar, claro.
Tirou a roupa e, já ereto, o que era difícil em seu estado alcoólico, subiu na cama. A moça movimentou-se e ele beijou-lhe o pescoço.
Os gemidos vindos do outro quarto aumentavam.
A menina acordou e olhou assustada o invasor de seu quarto e soltou um gritinho, ainda não tendo certeza do que estava acontecendo.
Quando ela o empurrou, ele ficou irritado. Detestava puta difícil! Ela começava a espernear, tentar chutar-lhe. Ele ainda tinha forças, embora lhe faltasse um pouco de coordenação. Arrancou os lençóis de cima dela e viu que ela estava quase nua, apenas de calcinha e claro que a moça não ia deixá-lo tirá-la, então ele resolveu que iria penetrá-la assim mesmo, com calcinha.
Meteu-lhe a mão entre as penas e afastou-a da entrada, e se atirou com força em cima dela.
Ela começava a gritar, mas tudo bem, os outros clientes não iriam se importar, já que vinham gritos do quarto do lado também. Mas mesmo assim os berros o desconcentravam, então ele preferiu fazê-la ficar mais quieta, e colocou o travesseiro no rosto dela.
Não iria sufocá-la, é claro, já que ela estava com o rosto virado para o lado, mas pelo menos abafaria os gritos. Ele detestava puta escandalosa!
O corpo embaixo dele se retorcia e ela cravava as unhas nas suas costas! Ah, ela gostava de sexo selvagem? Então era assim que teria.
Ele metia cada vez mais forte, mais rápido.
Qual seria o nome dela?
Mais rápido, mais rápido.
Então ela gritou com toda sua força. O travesseiro não foi o suficiente para abafar o desespero que se evadia pela sua garganta.
A porta se escancarou. Um homem gordo e bigodudo, vestido apenas com uma cueca, olhou a cena, com os olhos arregalados. Uma mulher com a mesma expressão estava atrás de si, gritando.
Merda de cafetão! Até o fizera broxar!
Então o homem voltou, com um revólver. Gritava coisas que os gritos da outra mulher e da própria menina, agora coberta com um lençol colorido, não permitiam entender.
Acendeu as luzes, iluminando o quarto verde e o rosto do Cristo, tão reprovador quanto aquele homem parado na sua frente.
Bem... Ele não sabia quando tudo aquilo começara, mas aquilo parecia o final, definitivamente.
Ele teve certeza disso quando fechou os olhos e escutou o tiro.

3 comentários:

Anônimo disse...

caraca felipe.
um dos melhores teus...
li superápido.
sério.
muito bem elaborado. *.*

o Jão disse...

caralho, que texto!
e pensar que se baseou naquele pedacinho de história do cara berrando no interfone q eu te contei
uahauahuahauahuaha (é né?)

mto bom!

Acervo Café Frio disse...

Magro, escândalo!