terça-feira, 26 de maio de 2009

Psiu!


Estamos em recinto hospitalar, silêncio é fundamental.
Se andares por esses corredores daqui, verás tudo muito limpo, muito lindo. Cruzarás por algumas enfermeiras esterilizadas, algumas faxineiras anti-sépticas.
Se espiares por dentro desse quarto verás um senhor com a boca muito aberta, atirado na cama, muito pálido, mas não te assuste, seu ressono nos mostra que ainda está vivo.
No quarto em frente um homem sozinho olha uma televisão maior que a habitual 14', tendo ao alcance de sua mão toda sorte de previlégios.
Dois homens dividem o quarto ao lado, como podes ver, parecem conversar, um falando mais alto, pois o outro é parcialmente surdo. Não te fixes no que eles falam. Eles só querem mostrar um ao outro como estão se recuperando rápido.
Mais a frente um quarto com uma senhora vestida de rosa, sentada em uma poltrona enquanto o marido vai ao banheiro, fumar um cigarro, escondido. Ele tem câncer de pulmão.
Dobre nesse corredor e verá uma grande sala muito iluminada por altas janelas. Algumas pessoas sentam nos sofás, conversam baixinho entre si, ou leem algo interessante. Algumas dormem, pois esses sofás são mais confortáveis que as poltronas dos quartos.
Sigamos reto por esse corredor, não estranhe se tudo fica um pouco mais escuro e se o chão não é tão limpo. Mudamos de santo. Essa parte do hospital é pública.
Os quartos são habitados agora por muitas pessoas, não há nada de elegante na doença e na morte delas. As enfermeiras aqui são mais raras e os médicos quase que mitos. Alguns dizem aos outros que viram um passar no corredor, mas não estão tão certos assim.
Desçamos essas escadas. Ah, preferes ir por elevador? Vamos, então.
Como podes ver os elevadores são muito grandes, dá para colocar uma maca aqui dentro. Cuidado com essa porta pois ela é pesada.
Ah, aqui é tudo muito mais escuro. Estamos no subterrâneo do prédio. É frio, não!?
Mas os doentes daqui não ligam. Não! Não! Eles não têm ar condicionado. A dor deles fá-los esquecer o frio, é apenas isso.
Essa é a parte mais movimentada do hospital, e veja como os rostos dessas pessoas são diferentes. Parecem todos tão mais tristes! Que pena. A maioria deles tem motivo.
Esse jovem logo perto da porta desse quarto tem queimaduras de terceiro grau. E o outro do lado sofreu um acidente de moto. Cena comovente, não!?
Mas não te prenda a esses pobres coitados. Vamos mais adiante.
Se virares essa esquina, darás direto no restaurante. As comidas são frias, ruins e caras. Mas as pessoas não costumam reclamar.
Parece um labirinto, não!? Aqui é o quarto que procuramos.
É exatamente abaixo do quarto do senhor da televisão maior que 14'.
Passe do lado dessas camas e não olhe muito para as expressões de sofrimento nesses corpos. Algumas delas irão passar!
Tu estás aqui, exatamente nessa cama. Não há ninguém do teu lado e veja, que espanto! Tu estás morto!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Inflável

Na televisão, ao invés de um documentário ou um programa de esportes, um filme pornô pausado.
Há alguns minutos atrás alguém lhe interfonara, às 04:58 da manhã e o acordara. Ele levantara rápido, com aquela impressão de que algo muito grave deveria ter acontecido e, por causa do sono, esbarrando na parede, chegara à cozinha e colocara o fone no ouvido.
-Sim?
-Ah, desculpa, moço, apertei no botão errado.
-Tudo bem, não tava dormindo mesmo.
A voz do outro lado era feminina, embriagada e doce, mesmo por interfone. Ele, por algum motivo não tira o fone de seu ouvido, escuta a mulher apertar outro número qualquer e falar com o homem que lhe atendera.
-Sou eu, abre pra mim.
O som do portão ringindo e segundos depois passos passando na frente de sua porta, rumo ao apartamento do fim do corredor.

E agora ele estava ali, na cama, sozinho, em plena madrugada que antecedia a um fim de semana.
O sono não chega, então ele dá play no filme pornô para passar o tempo. Pensa que o vizinho provavelmente estará transando com uma mulher embriagada, com bafo de cerveja.
Então seu corpo reage aos pensamentos focados no apartamento vizinho e nos gemidos do filme. Ele caminha até o armário de parede e tira de lá uma boneca inflável. Acaricia seus cabelos loiros e olha-a nos olhos. Sente aquela vontade de um beijo caloroso que antecede uma noite de amor, mas por motivos óbvios aquela boca redonda não lhe é atrativa.
Tira as roupas da boneca e sua cueca e se deita sobre ela. Olha que vantagem de ser sozinho... ele nem precisará de camisinha! E nem sequer teve que conquistar ela antes de levá-la para cama. Poupara assim várias horas de papos melosos e promessas.
Sozinho, era isso que ele era. Não fazia questão de cultivar amigos. Sempre achara que amizades não eram nada mais que meios de se conseguir sexo fácil e de graça. Mas os gastos com os amigos excediam quaisquer gastos com putas. Ter amigos era caro e enfadonho.
O som da televisão se confunde com seus movimentos e por alguns segundos até parece que é a boneca que geme.
Por que será que sempre que transava com essa boneca, aliás, seria mesmo "transar" o termo correto, não seria uma masturbação?, bem, por que sempre que transava com essa boneca lembrava do rosto pálido da sua última amiga (que lhe enchia as noites com sexo fácil e grátis) deitada num caixão? Será que ele teria se apaixonado por ela, caso ela não tivesse morrido num acidente de carro?
Era a imobilidade da boneca que lhe lembrava a amiga. O rosto sereno dela no caixão lhe parecia tão erótico que ele não teve como ficar no velório por muito tempo. No caminho de volta para casa, dirigindo seu carro novo, ele se masturbara.
Talvez sempre que ele usava a boneca, associava sua imobilidade com a da sua falecida amiga, caso ele tivesse a coragem de subir naquele caixão e comido ela pela última vez, como ele sonhara em seu íntimo.
A solidão era rotina desde a morte dela. E era mais fácil ser só! Amizades e namoros deixam qualquer um frágil! A pessoa acaba sempre por expor suas fraquezas, seus medos, e ele detestava isso! Gostava que lhe vissem de longe, como um cara bem sucedido, sem defeitos aparentes.
O seu pênis gruda no interior da vagina de plástico. Ele precisa de mais lubrificante.
Agora falta pouco. Era bom ser sozinho. Os almoços e jantares solitários lhe davam tanto tempo para pensar em saídas possíveis para a situação política do Brasil. Ele até estava pensando em escrever um livro sobre isso.
Jamais sentia falta de alguém que lhe ligasse para assistir a um jogo de futebol juntos! Claro que não! Sozinho ele tinha oportunidade de ver quantos programas esportivos que quisesse e assim ter boas opiniões formadas sobre todos os times do país.
Pena não ter com quem compartilhá-las.
A solidão nunca lhe fez mal.
A boneca inflável jamais reclamaria, por exemplo, de sua rapidez. Ele já acabara.
Não acende nenhum cigarro. Pega o controle da televisão e a desliga. Talvez agora ele consiga voltar a dormir. O vizinho provavelmente ainda estará transando com a bêbada.

No escuro do quarto a boneca inflável levanta-se, veste sua roupa e vai embora.